sexta-feira, 5 de maio de 2017

Nelson Leirner

Pague para ver
convite de exposição (cancelada pela galeria)

O texto que está impresso no verso do convite, e que motivou o cancelamento:

Consegui. Vinte anos de tentativas para finalmente chegar aonde queria: VENDA GARANTIDA, ARTE COMPROMISSADA, ARTE COMERCIAL PURA. Divulgo a fórmula:
 
1-PRODUTO: tem que ter certas características constantes. (Usei em todos os trabalhos o mesmo estilo, a mesma medida, a mesma moldura). A sociedade sempre quer reconhecer o autor, pois isto lhe dará uma dupla satisfação: a de não estar comprando gato por lebre e a de sentir-se altamente culta.
 
2-DIMENSÃO: quanto maior a dimensão do trabalho, maior o seu valor financeiro, sem esquecer o espaço médio da moradia do comprador. Os tamanhos mais vendáveis são acima de um metro e abaixo de um metro e cinqüenta. (Usei, como medida base, um metro e dez).
 
3-TABELA DE PREÇOS: nos trabalhos bidimensionais, temos um valor já preestabelecido em função dos materiais usados. Do mesmo autor, um trabalho a óleo vale mais que acrílico, que vale mais que aquarela, que vale mais que têmpera, que vale mais que bico-de-pena, que vale mais que lápis de cera, que vale mais que lápis de cor, que vale mais que grafite, e assim por diante. (Resolvi usar todos os materiais pois deve valer muito mais um trabalho que usa óleo, mais acrílica, mais aquarela, mais têmpera, mais bico-de-pena, mais lápis de cera, mais lápis de cor, mais grafite e outros materiais.
 
4-ESTÉTICA: o problema estético, apesar de secundário, também deve ser levado em conta. Nos dias de hoje a sociedade divide basicamente sua preferência entre duas tendências: o figurativismo, e o abstracionismo. No figurativismo, o fato do trabalho ser entendido lhe dá a sensação de aproximação com o artista, tornando-se seu cúmplice. Os que preferem o abstracionismo alegam que, ao sentir o artista, colocam-se mais perto de seu mundo mágico, tornando-se também seu cúmplice. (Agora terei todos como amigos: usei ambas tendências: o real e o imaginário).
 
5- O MARCHAND E A CRÍTICA: será uma festa completa. O marchand terá, através de suas comissões, pagos todos os investimentos, fora o lucro e a pseudo-sensação de mecenato. Os críticos continuarão com seus empregos garantidos através de suas reportagens, colunas sociais e trabalhos representativos dentro dos órgãos governamentais.
 
6- O ARTISTA: ele poderá sentar-se numa alta roda de jogadores, filar a última carta, apostar alto e esperar que paguem para ver




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