A FAUUSP no período dos anos 70 aos 90 disponibilizava
laboratórios de experimentação vinculados a matérias como gravura, projeto e
desenho. Gravura era a disciplina de Renina Katz, que mais que gravura,
praticava a democratização da arte. O múltiplo, a inserção de texto à imagem, a
divulgação de um pensamento.
Essa foi a semente de um ensino, reforçado pelo livre
acesso à oficina gráfica proporcionado pelo técnico João Pereira, coordenador
geral do laboratório de artes gráficas da FAUUSP nesse período.
A partir desse início, um grupo criou a publicação
Poetação. Eram Rosely Nakagawa, Rubens Matuck, Tania Parma e Milton Hatoum. A
publicação era inteiramente feita na FAU, em impressoras offset, com
coordenação de textos do Milton, programação visual do Rubens, encadernação
manual da Rosely e produção e distribuição da Tania.
A partir das aulas de gravura e tipografia, a idéia cresceu
e se transformou na editora de tiragem limitada João Pereira, em justa
homenagem ao seu principal colaborador.
Os projetos se expandiram para além das fronteiras da
universidade, ainda com a colaboração de Renina Katz, do técnico de impressão
tipográfica, Horácio de Paula e do próprio João Pereira e foram baseados nos
álbuns de gravuras vistos na coleção de José Mindlin, um dos incentivadores do
início da editora.
A possibilidade de realização sempre foi vista com
entusiasmo e colaboração voluntária. Juntaram‑se ao grupo original Junosuke
Ota, produção geral e Roberto Grassman, impressão‑metal. A litogravura era
realizada no ateliê Ymagos e xilogravura no ateliê de Luise Weiss e Feres
Khoury. A encadernação era feita sob os cuidados de Fred Lane, com a colaboração de Alex Vallauri. Os lançamentos,
organizados pelo livreiro José Homem de Montes na livraria Klaxon. Os textos de
apresentação eram feitos por Fernando Mesquita, Leon Kossowitch e Milton Hatoum.
Os colaboradores recebiam um álbum como pagamento e cada um
dos artistas editados, doava parte da venda para a realização do próximo álbum.
A criação do logotipo (o pião) e o carimbo da mosca, marcas
de identificação da João Pereira, partiram de um grafite a 3 mãos, com desenho
do Rubens Matuck, execução do stencil de papel pelo então estreante Carlos
Matuck e grande difusão da marca pelos muros da cidade por Alex Vallauri.
As encadernações sempre levaram em conta a escolha de
materiais de qualidade. Essa preocupação é justificada pela importância de
conservar os exemplares para os colecionadores, como por exemplo, o uso de
papéis de algodão ou linho, com PH neutro. Os projetos eram desenvolvidos para
adequar cada álbum ao conceito do trabalho. A escolha do papel, a forma de
abrir, o tamanho, o peso...
Além de cuidar para que o material se conservasse com o
tempo e o manuseio constante, o álbum não era considerado uma embalagem
temporária, da quais as gravuras ou fotografias pudessem ser retiradas e
enquadradas: ele era visto como uma publicação de pequena tiragem, como
concretização da idéia de divulgação de um conjunto de obras, em livros de
poucas páginas com originais.
As encadernações foram baseadas nas encadernações e
dobraduras japonesas. Elas aproveitam o papel ao máximo, usando dobras simples
e quase nenhuma cola. Isso traduzia‑se em economia de papel e facilidade de
conservação do material.
Os projetos tipográficos procuravam acompanhar a mancha da
imagem, respeitando a textura, cor e processo de impressão. O texto que
acompanhava o álbum poderia ser manuscrito, ter um tipo desenhado
especialmente, com uma família de letras desenvolvida para aquele álbum. A
tipografia fazia a intermediação entre a parte externa e a gravura, conteúdo
principal do trabalho. Além de personalizar a apresentação, a tipografia
respeitava e compreendia a gravura, incorporando‑se ao conceito do álbum com um
todo.
O trabalho da João Pereira confirmou, através de seu
trabalho de divulgação neste pequeno mas qualificado circuito, o trabalho de
dois artistas que tiveram a gravura como momento importante para nossa geração:
Luise Weiss e Feres Khoury. Cresceu ao incorporar o trabalho de artistas
consagrados como Aldemir Martins e Renina Katz, que eram ao mesmo tempo
referência artística e profissional. O fato de participarem do projeto criou
espaço para que a editora se realizasse como atitude artística.
De 1979 a
1992, a
João Pereira procurou editar um álbum por ano. Esse período foi suficiente para
estabelecer um pensamento, que teve continuidade no procedimento individual,
mostrando que a cooperação entre os artistas é possível e leva a resultados
positivos.
Almoços e tardes
inteiras de ajustes e controle de qualidade envolveram grupos grandes, com
pessoas que ainda hoje trabalham com gravura. Artistas conhecidos ou
colaboradores anônimos que participavam pelo simples prazer de ver o trabalho
se concretizando. Depois de tudo pronto, o álbum recebia o certificado de
qualidade, identificado pelo carimbo da mosca.
Nakagawa,
Rosely. Edições João Pereira,
Tupigrafia 3. São Paulo: Bookmakers, 2006.
Imagens: http://www.graphias.com.br/mostraDetalhes.asp?id=5